17 de novembro de 2011

Minecraft



Por muito tempo eu fugi desse jogo. Eu sabia que era problema.

Mas não dá pra se esconder quando ele se transforma numa febre de 10 milhões de pessoas. Fui alcançado quando enfim ocorreu a proposta irrecusável: na compra do Humble Indie Bundle 3, ganhei acesso ao maldito joguinho até dia 14 de agosto. Soma-se isto ao fato de que estava de férias e que tirei dois dentes cisos no mesmo dia em que foi lançado o Bundle... voilá!

60 horas de gameplay depois...

O Jogo

Minecraft é, como gostam de chamar por aí, uma caixa de areia. Você constrói e destrói à vontade, sem grandes objetivos finais ou enredos para seguir. Quem já jogou The Sims, Sim City ou afins sabe que tipo de jogo é este e quão viciante ele pode se tornar.

Numa ótima sacada de game design, as entranhas e nuances de funcionamento do jogo ficaram todas escancaradas para os usuários, de forma que todos podem saber exatamente como funcionam os algoritmos de física/construção/criação de monstros e usar isso a seu favor para criarem estruturas/situações grandiosas. Até uma "wikipedia" própria já existe para o jogo: MineCraft Wiki.

O autor, Notch, é um aficcionado por construção de software simplista, com apelo retrô e pouco consumo de recursos. Já participou diversas vezes do evento Java4k, que desafia desenvolvedores a criarem jogos legais com no máximo 4096 bytes. Minecraft também segue esta guia, o que fica óbvio com o trailer abaixo. O gráfico é reduzido ao mais simples possível, ao ponto do cômico ( ou repulsivo, para os hardcore gamers ) e o foco do jogo fica completamente na interação com o mundo, e nas infinitas possibilidades que ele abre para a imaginação.


Modelo de desenvolvimento / comercialização

Outro ponto muito interessante é o modelo de desenvolvimento do jogo. No modelo mais tradicional de desenvolvimento, primeiro se idealiza o jogo/programa, depois se faz um projeto detalhado deste, entrega-se para alguns programadores desenvolverem, testa-se e só por último libera-se o jogo já pronto para os usuários finais. Em computação, chamamos isto de modelo cascata, no qual uma etapa só pode ser realizada após o término da última.

Notch, por sua vez, grita aos quatro ventos "Waterfall is dead. Long live agile!", em referência ao seu modelo de desenvolvimento ágil. Em resumo: ele tem uma idéia, pula o planejamento e simplesmente a desenvolve. Testa um pouco por conta própria ( o que é BEM diferente de mandar para uma equipe de testes ) e disponibiliza logo para o grande público. Se gostarem, deixa daquele jeito. Se não gostarem, remove-se a alteração com facilidade e tudo volta a funcionar normalmente.

Com este modelo, o autor tem construído o jogo pouco-a-pouco, com várias versões ( ou patches ) saindo desde outubro de 2010, quando o jogo foi disponibilizado pela primeira vez. Assim, os próprios jogadores podem constantemente opinar sobre o que gostariam de ver no seu jogo, fornecendo um feedback direto para os desenvolvedores. Para quem já trabalhou com desenvolvimento de software, é lindo ver esse tipo de modelo funcionando tão bem. E os publicitários bem sabem quão valioso é ter clientes que se sentem parte da criação de um produto.

O famoso primeiro abrigo. Primeiro objetivo de infinitos...

Além disto, o modelo de vendas também é um tanto revolucionário. Desde as versões mais simples, apenas com os recursos mais básicos, o jogo já é vendido a preços reduzidos. A idéia é que se você está comprando o jogo ainda construção, paga apenas pelo que já está pronto e toda melhoria que tiver depois virá de "brinde".  Desta forma, os fãs vão fazendo suas mega-construções e se divertindo enquanto a versão final do jogo não está pronta, e neste meio-tempo vão financiando a continuidade do projeto. É uma forma até dos próprios desenvolvedores medirem se o esforço que estão tendo com o jogo está valendo a pena.

E em Minecraft está. Eles já venderam 3 milhões de licensas de jogo. Imagine isto apenas dois anos para uma empresinha de uns dez funcionários...

MineCon

Com o sucesso, os produtores do Minecraft decidiram fazer uma Convenção de Minecraft: a MineCon! Acontecerá em Las Vegas, dias 18 e 19 de novembro de 2011, e vai servir como evento para lançar a primeira versão oficial do jogo, menos de um ano depois da primeira versão paga.

Parece difícil imaginar como um joguinho retrô pode fazer pessoas viajarem, montarem stands e fazerem apresentações só para assistirem ao seu lançamento? Pois é. Agora você começa a entender porque eu estava fugindo tanto dele...

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Site oficial do MineCraft
Blog do autor, Notch: The Word of Notch
Review do EuroGamer sobre MineCraft

11 de novembro de 2011

Não-Repressão


Tem algumas características sociais que são tão impregnadas em mim e ao meu redor que chego a achar que são universais, humanas. É preciso vir alguém meio "de fora" para mostrar que existem outras possibilidades. Isto me aconteceu recentemente com um livro que fala sobre uma sociedade com uma filosofia pouco vinculada a uma cultura de guerra - quase oposta à nossa européia.

"Olho por olho, dente por dente". A estupidez desta filosofia é óbvia, e ainda assim é muito difícil sair dela quando o mundo está, de fato, acontecendo. Quando estamos diante de uma possibilidade de sofrimento, o caminho mais fácil para nossa mente adestrada é reprimi-la. Usamos de força física, verbal ou de nuances mais sutis e mentais para impedir o fluxo da ação por um caminho - sem nos darmos ao trabalho de redirecionar aquilo para algo diferente. Algo que não simplesmente interrompa o caminho das coisas.

Combatemos uma violência com outra. Por mais que a nova seja num nível mais sutil, ainda assim é algo no mínimo sem muito potencial construtivo.


Compartilho abaixo o trecho do livro "Eu me Lembro..." que me fez refletir em como existem soluções alternativas para as nossas situações de sofrimento. Afinal, que situação mais icônica para ilustrar a naturalidade com a qual reprimimos a nós e aos outros do que uma criança querendo colocar a mão no fogo?
"Lembro-me da cozinha, o lugar mais aconchegante da casa. O que eu mais gostava era da proximidade com o fogo e do cheiro bom da comida. Quando era menor, um dia quis tocar no fogo e minha mãe me ajudou nessa aventura. Ela me disse:
O fogo é muito tímido e quando você tenta segurá-lo ele foge. Mas também é nervoso como o corvo. Se você segura um corvo pelo pé, ele lhe dá uma bicada. O fogo também faz isso. Então, você não pode ficar muito tempo com a sua mão tentando segurá-lo. Você tem que tentar pegar e tirar a mão depressa.

E assim, aprendi a tocar o fogo sem me queimar."
Capítulo "A cozinha da nossa casa", livro "Eu me Lembro".

Percebam que a mãe, ao invés de alertar, criticar, ou impedir o comportamento potencialmente destrutivo do filho, aproveitou a oportunidade para educá-lo. Ao invés de reprimir, conduziu. Isso dá muito combustível para reflexão. Imagino se conseguisse me comportar mais como a mãe desta criança em relação aos meus medos e inseguranças, quanto avanço a mais não iria alcançar? E quanta beleza pode ser vista no mundo inteiro quando me comporto assim também com ele!

A lição mais forte disso que ficou pra mim é muito simples: há uma outra forma de pensar o mundo, e ela pode ser melhor do que a minha.

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Foto por ~violetztarz
Página para download do livro "Eu me Lembro..."